OBESIDADE INFANTIL: CAMINHOS PARA A PREVENÇÃO

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Enf (a) Cristiani Ludmila Mendes Sousa Borges – Equipe de Teleorientação em Pediatria

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade se caracteriza pelo acúmulo de gordura corporal, tradicionalmente medido pelo Índice de Massa Corporal (IMC) (WHO, 2022). Apesar de aumentar o risco de doenças e ter consequências para a saúde mental, qualidade de vida e mortalidade (JIA et al., 2016), a obesidade não é apenas um fator de risco. Desde 2016, consta no Código Internacional de Doenças (CID) como uma doença endócrina, nutricional e metabólica com repercussões à saúde (CID-10: E66.0-E66.9) (WHO, 2016).

A obesidade infantil configura-se como um problema de saúde pública multidimensional, e está relacionada a um conjunto de fatores genéticos, culturais, socioeconômicos e outros. A doença tem múltiplas causas, com destaque para a má alimentação com elevada ingestão de ultraprocessados desde a primeira infância; o sedentarismo decorrente do uso excessivo de telas; questões genéticas e histórico familiar; aspectos emocionais, ansiedade, bullying, uso de comida como conforto e ambientes obesogênicos, falta de espaços públicos, transporte ativo, incipiente rotulagem de alimentos e marketing intenso da indústria alimentícia Os prejuízos econômicos para o SUS são altos, e as projeções globais indicam forte impacto no PIB (BRASIL, 2022; CAMPOS et al., 2024).

Além de aumentar os riscos para a vida adulta, crianças e adolescentes com obesidade podem apresentar dificuldades respiratórias, aumento do risco de fraturas e outros agravos osteoarticulares, hipertensão arterial sistêmica, marcadores precoces de doenças cardiovasculares, resistência à insulina, câncer e efeitos psicológicos, como baixa autoestima, isolamento social e transtornos alimentares, entre outros (WHO, 2020).

A transição nutricional – com aumento no consumo de alimentos ultraprocessados e sedentarismo – tem impulsionado o crescimento de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes (CAMPOS et al., 2024). Estudos recentes mostram associações significativas entre a proporção de alimentos ultra-processados (AUPs) na dieta e o aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), assim como de mortalidade por todas as causas, com a ocorrência anual de mortes prematuras em cerca de 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos no Brasil (NILSONEAF, et.al, 2023).

Em 2023, dados do SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) apontam que cerca de 31% das crianças e adolescentes acompanhados no Sistema Único de Saúde (SUS) apresentavam excesso de peso, com 12–16% classificadas como obesas. No estado de Sergipe, em dezembro de 2024, cerca de 8,7% das crianças de 0 a 5 anos, e 9,5% dos adolescentes apresentavam obesidade (SISVAN, 2024).

O aleitamento materno exclusivo mostrou-se um fator de proteção ao excesso de peso e obesidade na criança e adolescente, relacionado com o tempo de duração e a exclusividade do leite materno (BALDISSERA; BORTOLI, 2023). A alimentação complementar introduzida precocemente, antes dos seis meses, pode estar relacionada diretamente à futura obesidade, tendo em vista que muitas vezes é feita de forma inadequada, com alimentos de baixa qualidade nutricional e associado à privação dos nutrientes e hormônios presentes no leite materno (ORTEGA-GARCÍA et al., 2018).

O espaço escolar deve oferecer importantes oportunidades de combate à obesidade infantil, fornecendo opções saudáveis de alimentos e bebidas, promovendo atividades físicas e fornecendo educação para a saúde (VIVEIROS DE CASTRO et al., 2021).

No país, algumas iniciativas do governo federal estão em curso, como a regulamentação da rotulagem frontal dos alimentos para alertar consumidores sobre excessos de açúcar, sódio e gorduras, redução de alimentos ultraprocessados na merenda escolar, e a estratégia PROTEJA: Estratégia Nacional para Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil, que tem como objetivo deter o avanço da obesidade infantil e contribuir para a melhoria da saúde e da nutrição das crianças brasileiras, por meio do incentivo de ações intersetoriais municipais envolvendo saúde, educação e transporte urbano (BRASIL, 2022).

O rastreamento e diagnóstico precoces da obesidade na infância permitem intervenções mais eficazes, principalmente quando feito por equipes multiprofissionais da Atenção Primária à Saúde, em parceria com o Programa Saúde na Escola.

O diagnóstico é baseado principalmente na avaliação do índice de massa corporal (IMC), ajustado para idade e sexo, utilizando curvas de crescimento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que estão disponíveis na caderneta da criança e do adolescente (BRASIL, 2022).Na caderneta, para o diagnóstico do estado nutricional, é necessário marcar o valor de IMC (eixo y) e a idade (eixo x), cruzar os valores e fazer a interpretação do estado nutricional. A marcação no gráfico ajuda a mostrar para o indivíduo onde ele está alocado e como vem sendo a trajetória do seu estado nutricional.

EscorePercentilClassificação do estado nutricional
0-5 anos incompletos5-20 anos incompletos
>+1 e ≤ +2> percentil 85 e ≤ percentil 97

 

Risco de sobrepeso

 

Sobrepeso

>+2 e ≤ +3> percentil 97 e ≤ percentil 99,9

 

Sobrepeso

 

Obesidade

>+3> percentil 99,9

 

Obesidade

 

Obesidade grave

Fonte: caderneta da criança e do adolescente.

Além do cálculo do IMC, outras medidas também podem ser utilizadas, como a perimetria da cintura, indicando risco metabólico elevado quando associada ao acúmulo de gordura abdominal (BRASIL, 2011), assim como a análise do histórico familiar de obesidade, doenças associadas (diabetes, hipertensão), hábitos alimentares, atividade física, uso excessivo de telas e fatores psicossociais (BRASIL, 2022).

O tratamento da obesidade infantil deve levar em conta a subjetividade de cada caso, com atividades individualizadas, contínuas e centradas na família, com participação ativa de profissionais da saúde de modo multiprofissional, pois diferentes categorias se complementam no manejo da obesidade.As abordagens principais devem incluir propostas para mudanças no estilo de vida, com adoção de alimentação balanceada, redução do consumo de alimentos ultraprocessados, aumento da ingestão de alimentos in natura, estímulo à prática regular de atividade física, preferencialmente lúdica e integrada à rotina escolar e familiar, e diminuição do tempo de tela e incentivo a brincadeiras ativas (BRASIL, 2022).

A promoção da saúde mental com suporte emocional e comportamental à criança deve também ser priorizada, com foco em mudanças sustentáveis, técnicas de modificação de hábitos, autocontrole, estabelecimento de metas, reforço positivo e envolvimento dos pais . O tratamento medicamentoso é recomendado para casos específicos de adolescentes com obesidade grave e comorbidades, sempre sob orientação médica especializada (BRASIL, 2022).

A obesidade infantil cresce de forma acelerada no país, com consequências graves e custos elevados para o SUS. Embora haja políticas públicas direcionadas, a magnitude do problema dema medidas mais eficazes, que envolvam ações de modo coordenado pela sociedade, gestores públicos, associações comerciais, universidades, entidades de classes profissionais, entre outros.

Portanto, considera-se oportuno promover o aleitamento materno exclusivo e restringir os alimentos ultraprocessados, garantir a segurança alimentar de populações vulneráveis, intensificar a educação em saúde sobre alimentação saudável, disponibilizar espaços públicos para a prática recreativa e de atividades físicas individuais ou coletivas. Assim como a mobilização das equipes de Atenção Primária à Saúde para o diagnóstico precoce, o manejo e a prevenção da obesidade em crianças e adolescentes — fase crucial para construir hábitos saudáveis e evitar a perpetuação da obesidade na vida adulta.

     

 

                                                                  REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN: dados 2022–2023. Disponível em: https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/. Acesso em: 25 jun. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde. Governo Federal – PROTEJA. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/promocao-da-saude/proteja. Acesso em: 25 jun. 2025.

CAMPOS, A. C. et al. Estudo sobre o impacto financeiro da obesidade infantojuvenil no SUS. Agência Brasil, 3 jun. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/estudo-mostra-impacto-financeiro-da-obesidade-infantojuvenil-no-sus . Disponível em: 20 jun 2025.

NILSON, E. A. F. et al. Premature deaths attributable to the consumption of ultra processed foods in Brazil. American Journal of Preventive Medicine, v. 64, n. 1, p. 129–136, jan. 2023. DOI: 10.1016/j.amepre.2022.08.013.

ORTEGA-GARCÍA, J. A. et al. Full breastfeeding and obesity in children: a prospective study from birth to 6 years. Child Obesity, v. 14, n. 5, p. 327–337, jul. 2018. DOI: 10.1089/chi.2017.0335. PMCID: PMC6066191.

VIVEIROS DE CASTRO, M. A.; DE LIMA, G. C.; PINTO BELFORT ARAÚJO, G. Educação alimentar e nutricional no combate à obesidade infantil: visões do Brasil e do mundo. Revista da Associação Brasileira de Nutrição – RASBRAN, v. 12, n. 2, p. 167–183, 2021. DOI: 10.47320/rasbran.2021.1891. Disponível em: https://www.rasbran.com.br/rasbran/article/view/1891. Acesso em: 26 jun. 2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems 10th Revision (ICD-10). WHO Version, 2016. Disponível em: http:// apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en#/E66. Acesso em 17 junho.2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Overweight And Obesity. Geneva: WHO, 2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-andoverweight. Acesso em: 5 jun. 2025.