Tracoma : infecção que causa cegueira

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Autoria: Janaina Eduarda Amarante Gonçalves Bispo – Analista em Gestão da Educação em Saúde da FUNESA  

O tracoma é uma doença milenar que pode causar cegueira a partir de uma afecção ocular crônica, em decorrência de infecções repetidas por Chlamydia Trachomatis, uma bactéria responsável por causar uma ceratoconjuntivite e formação de entrópio – (pálpebra superior virada para dentro do olho) o que pode levar a alterações da córnea, causando cegueira -.

Essa afecção ocular existe em diferentes continentes há séculos, sendo introduzida no Brasil a partir do século XVIII, após o país receber pessoas deportadas de Portugal. Estabeleceu-se primeiramente no nordeste, o famoso “Foco Cariri’ através do Ceará e Maranhão. E posteriormente ocorreram os focos na região Sul e Sudeste, com a intensificação da imigração européia do século XIX.

Segundo a Organização Mundial de Saúde existem milhões de pessoas com tracoma no mundo, inclusive com regiões endêmicas para essa doença, tornando essenciais as campanhas para prevenção, tratamento e de compartilhamento de informações para a população. Desde 1906 há campanhas no Brasil, como também começam a serem instalados os primeiros Serviços Especializados em tracoma, os “postos antitracomatosos”.  Em 1990 as atividades de controle do tracoma fizeram parte das atribuições da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA. Porém o tracoma ainda persiste. Em 2024 foram identificados 4.496 casos em crianças de cinco a nove anos no Ceará, segundo o Boletim Epidemiológico do Tracoma no Ceará (nº1-09/12/2024).

O agente etiológico do tracoma é um microorganismo com atração pelas células epiteliais, onde se instala e se multiplica. É uma doença que apresenta cinco estágios. A seguir:

– Tracoma Inflamatório Folicular (TF);

– Tracoma Inflamatório Intenso (TI);

– Tracoma Cicatricial (TS);

– Triquíase Tracomatosa (TT) e;

– Opacificação Corneana (CO).

O tracoma inicia-se como conjuntivite folicular, hipertrofia papilar e inflamação em toda a conjuntiva tarsal superior (parte interna da pálpebra superior). Se os folículos não regridem espontaneamente, estes crescem e necrosam. Essa necrose dos folículos leva a formação de cicatrizes na conjuntiva. Quanto mais infecções, mais pontos cicatriciais se formam na pálpebra superior, levando à sua distorção, o entrópio, fazendo com que os cílios toquem os olhos (triquíase). Esses cílios passam a provocar ulcerações na córnea, com conseqüente opacificação corneana e diminuição da acuidade visual.

 

O diagnóstico é basicamente clínico-epidemiológico. A ocorrência de tracoma se dará quando o agente etiológico estiver amplamente disseminado em comunidade, para que assim seja propiciada uma contínua reinfecção, com transmissão.

O tracoma pode ser transmitido através de fômites, a exemplo de toalhas compartilhadas ou objetos que entrem em contato com olhos infectados e sejam compartilhados. Mãos sem higienização também tem uma significativa participação na transmissão. A falta de saneamento básico é uma situação que contribui com o aparecimento de tracoma, devido à contaminação do ambiente e ocorrência de moscas (vetores) que podem pousar em objetos e tocar os olhos de pessoas sadias. A mesma bactéria também é responsável por conjuntivite de inclusão, quando a contaminação ocorre não pelo contato olho a olho, mas por contato sexual com pessoa que possui a Chlamydia enquanto infecção sexualmente transmissível.

É um problema identificado com recorrência em locais com precárias condições de vida, de habitação, com concentração populacional em áreas sem saneamento básico e baixos níveis de condições de higiene.

As crianças são as mais afetadas e identificadas com infecção ativa – são o principal reservatório do agente etiológico nas populações onde o tracoma é endêmico -. Podendo a bactéria estar nos olhos, no trato respiratório e gastrointestinal. Não há reservatório animal para o tracoma, apenas o ser humano. A diminuição da ocorrência do tracoma é atrelada à melhoria das condições de vida.

Se há existência de tracoma, um intenso trabalho de investigação epidemiológica deve ser planejado em creches, escolas, domicílios, bairros e comunidades com casos positivos. Nesse sentido, o trabalho das Equipes de Saúde da Família é essencial para desencadear medidas de detecção de casos. A investigação deve ser direcionada aos locais com maior probabilidade de transmissão da doença.

Todos os casos suspeitos devem ser investigados para confirmação ou não. Por conseguinte, essa investigação deve ser notificada no sistema de informação à saúde do SUS, SINAN (sistema de notificação de agravos notificáveis), como também o acompanhamento, tratamento e conclusão em fichas específicas.

Para eliminação do tracoma a OMS sugere a Estratégica SAFE: Surgery (Cirurgia), Antibiotics (Antibióticos), Facial cleanliness (Limpeza facial) e Environmental improvements (Melhorias ambientais).

                                                                Referências

Organização Pan-Americana da Saúde. Validação da eliminação do Tracoma como problema de saúde pública. Washington, D.C.: OPAS; 2016.

 

Schellini, S.A.  et al. Tracoma: ainda uma importante causa de cegueira. Rev. Bras. Oftalmol. 2; v.71, n.3, 2012.

 

Maciel, A.M.S. et al. Fatores associados ao tratamento e ao controle do tratamento do tracoma em escolares de município da Região Nordeste, Brasil. Rev. Bras. Epidemiol. v. 23, 2020.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de Controle do Tracoma.  Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001.

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de vigilância do tracoma e sua eliminação como causam de cegueira. 2. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.

 

SÃO PAULO.  Tracoma dados epidemiológicos: Distribuição segundo fatores relacionados ao tempo, espaço e pessoas. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”. [s.d].